#### O mundo é a casa do corpo.

##### Corpo enquanto matéria de herança comum. Corpo de escuta e ação; lugar de dança, deste e de outros mundos.
  
##### No início de um novo ciclo dos Estúdios Victor Córdon, confirmamos o compromisso de apoio à comunidade artística independente, com especial enfoque na área da dança. Confirmamos igualmente a dedicação à promoção de iniciativas que apoiem o início de carreiras, que intensifiquem o movimento de artistas dos e nos PALOP, que proporcionem espaços de presença das comunidades imigrantes e descendentes residentes em Portugal e que, de forma geral, sejam um exemplo da democratização do acesso às instituições culturais. Quando se invertem valores fundamentais é imperativo que se multipliquem ações com impacto direto na vida das pessoas afetadas por essa inversão, apesar das muitas frentes necessárias para responder às realidades que se anunciam pelo decorrer dos dias.

##### A Temporada 2024 pretende refletir o estado de um mundo em (des)agregação, acerca do qual é urgente pensar e agir. No ano em que se comemora meio século de liberdade e democracia em Portugal, precisamos de confirmar valores humanistas universais, pois estes não se estabelecem por si próprios através de uma qualquer mudança de regime ou contexto político. Estabelecer estes valores implica sempre um esforço permanente que se inicia no âmago da vida individual. O nosso tempo deverá ser um tempo de ação continuada no combate ao esquecimento, eterno inimigo das civilizações, bem como no reconhecimento de cada pessoa com dignidade e respeito.

##### As vozes e necessidades de criadores e intérpretes. O registo e a transmissão dessas vozes, vindas de muitas geografias. O pensamento em torno da criação artística e o seu impacto na realidade social. As rotas da língua portuguesa como lugares de encontro, partilha e estabelecimento de redes para a circulação de artistas, propondo avizinhar Norte e Sul. As comunidades migrantes residentes em Portugal e o papel da criação artística no processo de aproximação de culturas. As comunidades afrodescendentes e a sua presença nas instituições culturais e na sociedade em geral. O apoio à criação a artistas, festivais e instituições de ensino, assim como o suporte dado a jovens intérpretes e criadores em início de carreira. Estas são as principais linhas que norteiam a vintena de programas que trazemos em 2024.

##### Lançamos esta programação sabendo que o caminho pode moldar as intenções, tornando-a mais adequada às necessidades de quem dela pode usufruir, e, sendo certo que nem todas as propostas chegam ao ponto onde à partida as imaginamos, quando movidas por um espírito criativo e conciliador serão seguramente portadoras de mudança.

##### É neste lugar que propomos encontrar-nos. Numa casa do mundo.
##### ⎯
##### Rui Lopes Graça
##### Janeiro, 2024


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Temporada 2024

#### The world is the home of the body.

##### The body as a matter of common heritage. A body that listens and acts; a place of dance, from this and other worlds.

##### As Estúdios Victor Córdon enter a new cycle, we are firmly committed to continuing to support the independent artistic community, with a primary focus on dance. We also reiterate our dedication to promoting initiatives that help young artists start their careers, that intensify the circulation of artists from and within the Portuguese-speaking African countries, that provide a space where immigrant communities and their descendants living in Portugal can be represented, and that, in general, are an example of the increased democratic access to cultural institutions. When fundamental values are reversed, it is essential to multiply actions that directly impact on the lives of the people affected by this reversal, while it is true that many different approaches are needed to respond to the reality of our times.

##### The 2024 Season aims to reflect the state of a world in (dis)aggregation, about which we urgently need to think and on which we must act. As Portugal celebrates half a century of liberty and democracy, we need to reaffirm universal humanist values, because a transformation in the political context won't change the fact that such work has to be carried out. Establishing these values always involves a constant effort, starting at the core of one's individual life. Our time must be a time of continuous action to counter oblivion, which remains an eternal enemy of civilizations, and to respect and recognize the dignity of every person.

##### The voices and needs of creators and performers. The recording and transmission of these voices, coming from many different places in the world. Thinking about artistic creation and its impact on social reality. The routes of the Portuguese language as spaces for meeting, sharing and establishing networks where artists can travel, proposing to bring North and South closer together. Migrant communities living in Portugal and the role of artistic creation in the process of drawing different cultures together.  Communities of African descent and their presence in cultural institutions and society in general. To support artists, festivals and educational institutions, as well as to give assistance to young performers and creators who are starting their careers. These are the main lines guiding the nearly twenty programs we are proposing for 2024.

##### We launch this season knowing that the path can shape our intentions, making them more suited to the needs of those who can benefit from it, and while it is true that not all projects will reach the point where we initially imagined them, when driven by a creative and conciliatory spirit they will certainly bring about change.

##### This is where we propose to meet. In a home of the world.
##### ⎯
##### Rui Lopes Graça
##### JAN 2024



2024 SEASON

#### O mundo é a casa do corpo.

##### Corpo enquanto matéria de herança comum. Corpo de escuta e ação; lugar de dança, deste e de outros mundos.
  
##### No início de um novo ciclo dos Estúdios Victor Córdon, confirmamos o compromisso de apoio à comunidade artística independente, com especial enfoque na área da dança. Confirmamos igualmente a dedicação à promoção de iniciativas que apoiem o início de carreiras, que intensifiquem o movimento de artistas dos e nos PALOP, que proporcionem espaços de presença das comunidades imigrantes e descendentes residentes em Portugal e que, de forma geral, sejam um exemplo da democratização do acesso às instituições culturais. Quando se invertem valores fundamentais é imperativo que se multipliquem ações com impacto direto na vida das pessoas afetadas por essa inversão, apesar das muitas frentes necessárias para responder às realidades que se anunciam pelo decorrer dos dias.

##### A Temporada 2024 pretende refletir o estado de um mundo em (des)agregação, acerca do qual é urgente pensar e agir. No ano em que se comemora meio século de liberdade e democracia em Portugal, precisamos de confirmar valores humanistas universais, pois estes não se estabelecem por si próprios através de uma qualquer mudança de regime ou contexto político. Estabelecer estes valores implica sempre um esforço permanente que se inicia no âmago da vida individual. O nosso tempo deverá ser um tempo de ação continuada no combate ao esquecimento, eterno inimigo das civilizações, bem como no reconhecimento de cada pessoa com dignidade e respeito.

##### As vozes e necessidades de criadores e intérpretes. O registo e a transmissão dessas vozes, vindas de muitas geografias. O pensamento em torno da criação artística e o seu impacto na realidade social. As rotas da língua portuguesa como lugares de encontro, partilha e estabelecimento de redes para a circulação de artistas, propondo avizinhar Norte e Sul. As comunidades migrantes residentes em Portugal e o papel da criação artística no processo de aproximação de culturas. As comunidades afrodescendentes e a sua presença nas instituições culturais e na sociedade em geral. O apoio à criação a artistas, festivais e instituições de ensino, assim como o suporte dado a jovens intérpretes e criadores em início de carreira. Estas são as principais linhas que norteiam a vintena de programas que trazemos em 2024.

##### Lançamos esta programação sabendo que o caminho pode moldar as intenções, tornando-a mais adequada às necessidades de quem dela pode usufruir, e, sendo certo que nem todas as propostas chegam ao ponto onde à partida as imaginamos, quando movidas por um espírito criativo e conciliador serão seguramente portadoras de mudança.

##### É neste lugar que propomos encontrar-nos. Numa casa do mundo.
##### ⎯
##### Rui Lopes Graça
##### Janeiro, 2024

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##### 2024 marca um momento importante no percurso dos EVC. Formalizando-se enquanto unidade orgânica dentro do OPART – Organismo de Produção Artística, E.P.E., os EVC afirmam a sua autonomia artística e passam agora a uma nova fase no seu crescimento. Para assinalar o momento, João dos Santos Martins escreve um texto sobre os EVC.

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#### EVC: Outros lugares
##### Enquanto investigava o espólio da coreógrafa Paula Massano no Museu Nacional do Teatro e da Dança, encontrei um dossier intitulado Proposta de Organização da Estrutura Mínima de Suporte de um Workshop. Este documento foi endereçado à Companhia Nacional de Bailado (CNB) um ano após a sua criação, em 1978, como tentativa de integrar um projeto permanente de experimentação coreográfica. O documento começava com uma descrição do que é um workshop, palavra que não circulava na altura: «um workshop é um local onde um grupo de pessoas se reúne à volta de um trabalho comum com o objetivo de, dentro de um dado campo das práticas artísticas (neste caso, a dança), o desenvolver no sentido de descobrir novas formas e, necessariamente, novos conteúdos.»

##### A proposta de Paula Massano não foi acolhida na CNB. Terá sido discutida? Poderia parecer radical, por um lado, ou ingénua, por outro, num momento em que a Companhia se tinha acabado de formar e procurava constituir-se como corpo de baile de matriz essencialmente clássica. Se a catapultarmos para o presente, esta proposta instiga um questionamento sobre a missão de uma companhia da dança estatal que importa invocar. Se os estatutos da CNB sempre preservaram o convívio entre dança clássica e dança contemporânea, esse equilíbrio sempre pareceu complicado. O que é que um workshop de pesquisa de movimento permanente poderia servir à companhia, em particular, e à dança, em geral?

##### A história dos Estúdios Victor Córdon (EVC) é indissociável da CNB e surge enquanto um projeto de Luísa Taveira (diretora de 2010 a 2017), com a intenção de contribuir para a recondução da carreira de bailarinos que não estariam no ativo na companhia. Abertos em 2016 com coordenação de Bruno Cochat, os EVC iniciam-se como um «Centro educativo, comunitário e criativo» com aulas de dança para crianças e adultos, masterclasses, oficinas e outros projetos. Em 2017, seria nomeado para o projeto o coreógrafo, ex-bailarino e coordenador de projetos especiais da CNB Rui Lopes Graça, cujo foco de ação, apesar de manter uma preocupação com o reenquadramento profissional dos bailarinos, foi noutra direção.

##### Caracterizados como uma «plataforma», os Estúdios Victor Córdon são um lugar de prática, pesquisa, experimentação e criação coreográfica sem uma linha estética definida. Sendo um dos poucos lugares em Lisboa com condições próprias para a prática de dança — isto é, estúdio espaçoso com chão de madeira, caixa de ar, linóleo e aquecimento —, os EVC dão um apoio fulcral à comunidade da dança independente através da disponibilização de estúdios dignos para trabalho e ensaios.

##### Uma das ações centrais é oferecer aulas de dança diárias para profissionais com o custo de três euros. As aulas de dança clássica são dadas geralmente por ex-bailarinos da CNB e do Ballet Gulbenkian, entre outros, garantindo uma transmissão intergeracional. As aulas são frequentadas por uma grande variedade de pessoas, e no mesmo estúdio podem estar: uma bailarina reformada da Ópera de Paris que comprou casa em Lisboa, uma coreógrafa da Nova Dança Portuguesa, um jovem acabado de sair do Conservatório, uma ex-aluna do Forum Dança, uma investigadora do c.e.m., uma amadora que faz doutoramento em sociologia, um bailarino que trabalha no estrangeiro, está a passar férias em Lisboa e tem um baile de vogue à noite, bailarinos que estão entre projetos, que têm uma audição ou que querem «aquecer» antes dos seus ensaios. As aulas de dança contemporânea são orientadas por uma comunidade mais jovem – bailarinos ativos entre os 20 e 40 anos que têm aqui também a oportunidade de partilhar a sua prática com outros. Com um enfoque pedagógico e profissionalizante, os EVC têm ainda tentado criar oportunidades para jovens intérpretes, quer através da colaboração entre escolas de dança, em todo o país, e coreógrafos internacionais, quer estabelecendo colaborações entre escolas artísticas de áreas distintas, como música.

##### Uma das coisas que os EVC entenderam é que, para ter discursos abrangentes, não podem ser sempre as mesmas pessoas a fazer as coisas. O poder não pode ser piramidal; pelo contrário, tem de ser partilhado, tem de ser um diálogo, tem de ser uma ponte. Parte dos programas dos EVC acontece através de convites a diferentes curadorias, abrindo o espectro de colaborações para fazer o que talvez não estaria ao seu alcance. O que sai para fora não é a voz de um diretor, mas diferentes vozes que expõem e cultivam a diversidade da cena da dança na sua multiplicidade. Esta abertura deve ser vista também como um espaço de responsabilidade para quando, ocupando lugares de poder, as instituições prossigam o seu papel de reparação das injustiças estruturais que continuam a dividir o mundo em dois.

##### O mundo carece de novas e renovadas instituições. Instituições que nos permitam acreditar nelas, que sejam transparentes, abertas, que tenham espírito, que nos inspirem, que nos representem e que nos façam querer ser representados. Instituições que não sejam máquinas de sugar cabeças e contribuintes, nem plataformas de lançamento para os seus diretores. Os EVC tornaram-se uma casa para muitos. São um lugar onde sabemos que somos bem tratados, onde nos sentimos acolhidos, prezados, respeitados, independentemente do tipo de dança que fazemos. Esta dimensão transversal, que promove diferentes visões, fomenta a comunicação entre pares que muitas vezes não se cruzam, que deixaram de se cruzar ou não se querem cruzar. É um lugar de encontros, tanto de pessoas novas, como de pessoas que admiramos e nunca vemos. Nunca sabemos quem vai atravessar o corredor e isso dá-nos um misto de nervosismo e entusiasmo.

##### Muitas das ações dos EVC são invisíveis e prendem-se com apoio muscular, psicológico e jurídico ou, por outras palavras, cuidado. Um cuidado que não é protocolar, mas que advém de uma equipa experiente e devota naquilo que é a sua prática diária: a dança. Esta forma de estar prova que as instituições, por mais que sejam criadas por decreto, são feitas por pessoas e são feitas de amor, atenção e dedicação. Se os EVC surgiram como tentativa de solucionar um problema na CNB, tornaram-se uma pequena inspiração para a dança em geral, e uma extensão do que poderia ser um projeto para a dança no país, que, além de um corpo de baile, seria, nas palavras de Paula Massano, um lugar para desenvolver o campo da dança em permanência, na sua forma e no seu conteúdo. Pelas ações dos EVC é possível entender um espectro da dança que se faz, as suas redes, sujeitos, estéticas, preocupações, vontades e necessidades, mas o seu modo de funcionamento permite mais do que isso: permite imaginarmos coletivamente como é possível fazer de uma instituição um outro lugar.
##### ⎯
##### João dos Santos Martins
##### Janeiro, 2024



O mundo é a casa do corpo.

2024

TEMPORADA 2024

##### Enquanto investigava o espólio da coreógrafa Paula Massano no Museu Nacional do Teatro e da Dança, encontrei um dossier intitulado Proposta de Organização da Estrutura Mínima de Suporte de um Workshop. Este documento foi endereçado à Companhia Nacional de Bailado (CNB) um ano após a sua criação, em 1978, como tentativa de integrar um projeto permanente de experimentação coreográfica. O documento começava com uma descrição do que é um workshop, palavra que não circulava na altura: «um workshop é um local onde um grupo de pessoas se reúne à volta de um trabalho comum com o objetivo de, dentro de um dado campo das práticas artísticas (neste caso, a dança), o desenvolver no sentido de descobrir novas formas e, necessariamente, novos conteúdos.»

##### A proposta de Paula Massano não foi acolhida na CNB. Terá sido discutida? Poderia parecer radical, por um lado, ou ingénua, por outro, num momento em que a Companhia se tinha acabado de formar e procurava constituir-se como corpo de baile de matriz essencialmente clássica. Se a catapultarmos para o presente, esta proposta instiga um questionamento sobre a missão de uma companhia da dança estatal que importa invocar. Se os estatutos da CNB sempre preservaram o convívio entre dança clássica e dança contemporânea, esse equilíbrio sempre pareceu complicado. O que é que um workshop de pesquisa de movimento permanente poderia servir à companhia, em particular, e à dança, em geral?

##### A história dos Estúdios Victor Córdon (EVC) é indissociável da CNB e surge enquanto um projeto de Luísa Taveira (diretora de 2010 a 2017), com a intenção de contribuir para a recondução da carreira de bailarinos que não estariam no ativo na companhia. Abertos em 2016 com coordenação de Bruno Cochat, os EVC iniciam-se como um «Centro educativo, comunitário e criativo» com aulas de dança para crianças e adultos, masterclasses, oficinas e outros projetos. Em 2017, seria nomeado para o projeto o coreógrafo, ex-bailarino e coordenador de projetos especiais da CNB Rui Lopes Graça, cujo foco de ação, apesar de manter uma preocupação com o reenquadramento profissional dos bailarinos, foi noutra direção.

##### Caracterizados como uma «plataforma», os Estúdios Victor Córdon são um lugar de prática, pesquisa, experimentação e criação coreográfica sem uma linha estética definida. Sendo um dos poucos lugares em Lisboa com condições próprias para a prática de dança — isto é, estúdio espaçoso com chão de madeira, caixa de ar, linóleo e aquecimento —, os EVC dão um apoio fulcral à comunidade da dança independente através da disponibilização de estúdios dignos para trabalho e ensaios.

##### Uma das ações centrais é oferecer aulas de dança diárias para profissionais com o custo de três euros. As aulas de dança clássica são dadas geralmente por ex-bailarinos da CNB e do Ballet Gulbenkian, entre outros, garantindo uma transmissão intergeracional. As aulas são frequentadas por uma grande variedade de pessoas, e no mesmo estúdio podem estar: uma bailarina reformada da Ópera de Paris que comprou casa em Lisboa, uma coreógrafa da Nova Dança Portuguesa, um jovem acabado de sair do Conservatório, uma ex-aluna do Forum Dança, uma investigadora do c.e.m., uma amadora que faz doutoramento em sociologia, um bailarino que trabalha no estrangeiro, está a passar férias em Lisboa e tem um baile de vogue à noite, bailarinos que estão entre projetos, que têm uma audição ou que querem «aquecer» antes dos seus ensaios. As aulas de dança contemporânea são orientadas por uma comunidade mais jovem – bailarinos ativos entre os 20 e 40 anos que têm aqui também a oportunidade de partilhar a sua prática com outros. Com um enfoque pedagógico e profissionalizante, os EVC têm ainda tentado criar oportunidades para jovens intérpretes, quer através da colaboração entre escolas de dança, em todo o país, e coreógrafos internacionais, quer estabelecendo colaborações entre escolas artísticas de áreas distintas, como música.

##### Uma das coisas que os EVC entenderam é que, para ter discursos abrangentes, não podem ser sempre as mesmas pessoas a fazer as coisas. O poder não pode ser piramidal; pelo contrário, tem de ser partilhado, tem de ser um diálogo, tem de ser uma ponte. Parte dos programas dos EVC acontece através de convites a diferentes curadorias, abrindo o espectro de colaborações para fazer o que talvez não estaria ao seu alcance. O que sai para fora não é a voz de um diretor, mas diferentes vozes que expõem e cultivam a diversidade da cena da dança na sua multiplicidade. Esta abertura deve ser vista também como um espaço de responsabilidade para quando, ocupando lugares de poder, as instituições prossigam o seu papel de reparação das injustiças estruturais que continuam a dividir o mundo em dois.

##### O mundo carece de novas e renovadas instituições. Instituições que nos permitam acreditar nelas, que sejam transparentes, abertas, que tenham espírito, que nos inspirem, que nos representem e que nos façam querer ser representados. Instituições que não sejam máquinas de sugar cabeças e contribuintes, nem plataformas de lançamento para os seus diretores. Os EVC tornaram-se uma casa para muitos. São um lugar onde sabemos que somos bem tratados, onde nos sentimos acolhidos, prezados, respeitados, independentemente do tipo de dança que fazemos. Esta dimensão transversal, que promove diferentes visões, fomenta a comunicação entre pares que muitas vezes não se cruzam, que deixaram de se cruzar ou não se querem cruzar. É um lugar de encontros, tanto de pessoas novas, como de pessoas que admiramos e nunca vemos. Nunca sabemos quem vai atravessar o corredor e isso dá-nos um misto de nervosismo e entusiasmo.

##### Muitas das ações dos EVC são invisíveis e prendem-se com apoio muscular, psicológico e jurídico ou, por outras palavras, cuidado. Um cuidado que não é protocolar, mas que advém de uma equipa experiente e devota naquilo que é a sua prática diária: a dança. Esta forma de estar prova que as instituições, por mais que sejam criadas por decreto, são feitas por pessoas e são feitas de amor, atenção e dedicação. Se os EVC surgiram como tentativa de solucionar um problema na CNB, tornaram-se uma pequena inspiração para a dança em geral, e uma extensão do que poderia ser um projeto para a dança no país, que, além de um corpo de baile, seria, nas palavras de Paula Massano, um lugar para desenvolver o campo da dança em permanência, na sua forma e no seu conteúdo. Pelas ações dos EVC é possível entender um espectro da dança que se faz, as suas redes, sujeitos, estéticas, preocupações, vontades e necessidades, mas o seu modo de funcionamento permite mais do que isso: permite imaginarmos coletivamente como é possível fazer de uma instituição um outro lugar.
##### ⎯
##### João dos Santos Martins
##### Janeiro, 2024


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EVC 2024 

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Uma Coleção para Amanhã ⎯ À la minute

##### While researching the archive of choreographer Paula Massano at the National Museum of Theatre and Dance, I came across the file “Proposal for the Organisation of a Minimum Support Structure for a Workshop”. This document was sent to the National Ballet of Portugal (CNB) a year after its foundation, in 1978, as an attempt to establish a permanent choreographic experimentation project. The document opened with a description of what a workshop is, a term that wasn’t used at the time: “a workshop is a place where a group of people gather around a common work with the aim of, within a given field of artistic practices (in this case, dance), developing it in order to discover new forms and necessarily, new content.”

##### Paula Massano’s proposal was not adopted by the CNB. Was it discussed? It might have seemed radical, on the one hand, or naïve, on the other, at a time when the company had just been founded and was trying to become, essentially, a classical corps de ballet. If we propel it into the present, this proposal prompts a reflection on the mission of a state dance company. Although CNB’s statutes have always ensured a coexistence between classical and contemporary dance, this balance has always seemed complicated. What could a permanent movement research workshop do for the company, in particular, and to dance, in general?

##### The history of Estúdios Victor Córdon (EVC) is inextricably linked to the CNB and emerged as a project by Luísa Taveira (director from 2010 to 2017), with the intention of promoting the career transition of dancers who were no longer performing. Opening its doors in 2016 under the coordination of Bruno Cochat, EVC began as an “educational, community and creative centre” with dance classes for children and adults, masterclasses, workshops and other projects. In 2017, the choreographer, former dancer and CNB special projects coordinator Rui Lopes Graça was appointed to lead the project. Despite maintaining a concern for the dancers’ professional transition, another direction was set out.

##### Described as a “platform”, Estúdios Victor Córdon are a place for practice, research, experimentation and choreographic creation without a defined aesthetic line. Being one of the few places in Lisbon with the right conditions for dance practice – i.e. spacious studios with wooden flooring, sprung floor, linoleum covering and heating –, the EVC provide vital support to the independent dance community by offering proper studios to work and rehearse.

##### One of their core initiatives is to offer daily dance classes for professionals at a fee of three euros. The classical dance classes are usually taught by former dancers from the CNB and Ballet Gulbenkian, among others, ensuring intergenerational transmission. The classes are attended by a wide variety of people, and in the same studio you might come across a retired dancer from the Paris Opera who has bought a house in Lisbon, a choreographer of the New Portuguese Dance movement, a young dancer who has just graduated from the Conservatory, a former student of Forum Dança, a researcher at c.e.m – centro em movimento, an amateur doing a PhD in sociology, a dancer who works abroad, is on vacation in Lisbon and is attending a vogue ball in the evening, dancers who either are between projects, have an audition or want to warm up before rehearsing. The contemporary dance classes are taught by a younger community – active dancers aged between 20 and 40, who also have the opportunity to share their practice with others. With a pedagogical and professionalising focus, the EVC have also been working to create opportunities for young performers, either through collaboration between dance schools across the country and foreign choreographers, or by establishing collaborations between art schools from different fields, such as music.

##### The EVC have understood that, in order to have a comprehensive discourse, it can't always be the same people doing things. Power cannot be pyramidal; on the contrary, it has to be shared, to be a dialog, to be a bridge. Part of EVC’s programs involve inviting different people to curate, opening up the spectrum of collaborations to do what might not have been within their reach.  What comes out is not the voice of a director, but different voices that show and nurture the diversity of the dance scene in its multiplicity. This openness should also be seen as a space of responsibility for when, occupying places of power and decision making, institutions pursue the task of continuously repairing the structural injustices that continue to divide the world in two.

##### The world needs new and renewed institutions. Institutions that make us believe in them, that are transparent, open, with spirit, and that inspire us, represent us and make us want to be represented. Institutions that aren’t machines for sucking up heads and taxpayers, nor launching pads for their directors. The EVC have become a home for many. They are a place where we know we are well looked after, where we feel welcomed, appreciated and respected, regardless of the kind of dance we practise. This transversal dimension, promoting different perspectives, fosters communication between peers who often don’t cross paths, no longer cross paths or don’t want to cross paths. It’s a place of encounters, where one can meet new people or people we admire but never actually see. We never know who’s going to cross the hallway and that brings us a mixture of flutter and excitement.

##### Many of EVC’s actions are invisible and involve muscular, psychological and legal support or, in other words, care. Care which isn’t protocol, but that comes from an experienced team who are devoted to their daily practice: dance. This attitude proves that institutions, despite being created by decree, are made by people and out of love, attention and dedication. Although the EVC emerged as an attempt to solve a problem within the CNB, it became an inspiration for the dance scene in general, and an example of what a national dance project could be. That project would be, in addition to a corps de ballet, and in Paula Massano’s words, a place to develop the field of dance permanently, in its form and substance. Through the actions of the EVC it is possible to see a large spectrum of the dance field, its networks, subjects, aesthetics, concerns, desires and needs, but the way it operates allows us more: it allows us to collectively imagine how to make of an institution one other space.
##### ⎯
##### João dos Santos Martins
##### January 2024