Uma Coleção para Amanhã
(as pessoas que vamos ser)
Antes de o mundo ter sofrido a grande mudança que 2020 nos trouxe a nível global e quase em simultâneo, a dança já não era apenas a arte do corpo virtuoso, aéreo e indiscutível fora dos cânones que lhe emprestavam voo, mas, ao mesmo tempo, o fechavam num código que o retirava à discussão maior do corpo.
O corpo que dança abriu caminho à expressão de muitos outros corpos e a uma diversidade de experiências que criaram mistura. Encurtando a história, que é afinal recente, incluímos a palavra e a reflexão para formular de outra maneira, e em paralelo, as descobertas que os corpos nos levaram a fazer. A imposição da distância social trouxe-nos outras possibilidades de termos ou provocarmos encontros improváveis. Deu-nos ideias sobre as perguntas que ainda não tínhamos feito, sobre a ressonância das experiências para lá do assunto tratado na altura.
Para a memória coletiva, ficaram por nomear milhares de temas que fizeram de nós as pessoas que somos hoje. Queremos saber onde está o lastro das pessoas que, no passado, fizeram as ruturas nas artes performativas portuguesas, seja essa altura há dez, há 20 ou há 30 anos. Queremos saber que pessoas são hoje e porquê. Que pessoas somos nós depois de as termos cruzado.
A dança em Portugal viajou. Foi e voltou, comparou-se. A comparação com a realidade do outro é a experiência maior e essencial para a construção de si. Em que momento descobrimos coisas melhores do que nós ao mesmo tempo que descobrimos em nós vestígios daquilo que imaginávamos ser dos outros?
A dança relaciona-se com uma multiplicidade de “camadas” das pessoas todas e, por isso, dos públicos. Poderemos estar mais habituados a recorrer à razão para discorrer sobre o que vimos num espetáculo, mas os nossos músculos “viram-nos” em simultâneo. Os músculos “falaram” sobre a experiência? Provavelmente não. Daí que as entrevistas dos EVC se vão dedicar às perguntas que nunca foram feitas a pessoas que estavam lá na altura, e estão aqui de novo. Talvez elas fossem então cabeças de cartaz, porém agora vão estar a refletir. E vão transformar os que não eram cabeças de cartaz em protagonistas da mudança que nos fez como somos.
Eu, Cristina Peres, vou fazer as perguntas e levar as pessoas a questionarem-se. Eu estava lá há dez, 20, 30 anos, mas também não vi tudo. Como nunca temos a noção do presente, do passado e do futuro num só momento, vamos tentar ver a marca que ficou, valorizando o ser ponto de chegada. E mais ainda ser ponte para o que aí vem.
Um ou dois convidados. Um tema. Uma conversa que é destinada a viajar até onde a dança chegar. Sem limites de tempo nem de espaço, a construir uma coleção para amanhã.
Cristina Peres, 2021
I Parte
Marlene Monteiro Freitas As peças são entidades vivas
II Parte
Clara Andermatt Escolher as melhores surpresas
III Parte
André Guedes Gerar cumplicidades espontâneas
IV Parte
Vera Mantero A festa da conjugação
V Parte
António Pinto Ribeiro Estamos voluntariamente a querer ficar cegos
VI Parte
Mark Deputter O primeiro impulso é o fascínio pela obra
VII Parte
João Fiadeiro Suspender a certeza
VIII Parte
João Lucas Encontrar o mundo para lá daquilo que ele é
IX Parte
Miguel Abreu A não coexistência da diversidade mata a cultura
X Parte
Olga Roriz A alma da sapatilha sou eu
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Podes ver toda a coleção aqui.