ELLES DISENT
Desde que comecei a dançar, a prática do desenho deixou de existir. Tive de focar-me em aprender algo completamente novo, e já numa fase tardia, se pensarmos no percurso convencional de uma bailarina profissional. Desenhar passou a acontecer em momentos altamente esporádicos, rarefeitos, desgarrados e até arbitrários. Em 2021, durante o processo de criação de MINA (filme), a Carlota pôs-me a mexer, mas também a desenhar. Em Alfafar, com 12 mulheres à volta de uma mesa, entre comida, livros e conversas, ela deu-me um pássaro. E ali fiquei eu. Lentamente, testando lápis, avivando esta ligação mágica entre ver e passar para o papel, num misto de medo e excitação. Voltar a algo que me pertenceu, não sabendo se ainda me pertencia, se estava em mim. Recentemente, a Carlota desafiou-me mais uma vez: mostrar desenhos, aqui nos EVC. Diria que este gesto é de alguém que realmente olha o outro, para além das evidências, do sabido. Desses alguéns que dão aquele empurrãozinho que deixa ver desdobramentos que todas temos, correndo qualquer risco. E olhar, ou dar-se tempo para ver, é realmente o que o desenho me proporciona. Um estar pleno, de profunda presença e conexão, que é uma coisa que nestes tempos me parece extremamente necessária, nem que seja por alguns minutos.
Por isto, esta exposição contempla desenhos de diferentes momentos temporais, marcando assim diversos afazeres e humores, mas também fotografias*, porque foram concebidas em Alfafar. E porque me puseram elas também — as fotografias — a manusear materiais de várias ordens, outras materialidades. Voltar a fazer coisas com as mãos. E que feliz isso me fez. Saber que se um dia a dança me falhar ou faltar, ou se eu lhe faltar, haverá este mundo que me ocupa. O das mãos que arrastam tudo o resto. — Elizabete Francisca
*As fotografias foram concebidas em colaboração com a artista Larissa Lewandowski e contam com a participação da Wicca Magda Ferreira/ ativista PWUD.
cérebro, olhos, mãos e papel
Que capacidade é essa do corpo que transporta o que observamos e o encerra numa folha de papel? Falo do corpo a transmutar-se em desenho, numa fusão intrincada entre olhos, mãos e papel. É como o desenvolvimento de um músculo mental que de forma misteriosa se prolonga pelo braço, chega à mão e percorre o papel. Transforma-se em movimento e dinâmica. Há pessoas das artes performativas que desenham mesmo antes de usarem o corpo como instrumento. Luís Guerra, João Galante e Elizabete Francisca são algumas dessas pessoas. Estas exposições revelam três formas diferentes de usar a musculatura mental, cada uma com a sua identidade e beleza. O desenho é um ato físico que requer tempo, memória, foco, prática, vontade, resistência e liberdade. É como dança. ― Carlota Lagido
INAUGURAÇÃO